quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Fragmentos de observação [contínuo]

Quando Mie percebeu, sentava confortavelmente e, à sua frente, encontrava razoavelmente grande mesa retangular de vidro fosco. Sobre a mesa percebeu vários objetos interessantes que pareciam dignos de importância. Precisamente, uma pilha de papéis amarelados, duas canetas pretas cuja tinta seria provavelmente azul, uma pasta de capa bege que deveria ser um álbum de fotografias ou uma coleção de selos, um livreto com uma cruz dourada na capa, um copo de vidro com agua até a metade, um recipiente de madeira envernizada com vários lápis afiados e sem sinal de uso, um pequeno troféu prateado em forma de estrela com nenhuma identificação clara e uma miniatura de plástico em forma de menino sorridente com cabelo encaracolado. "São mesmo cabelos de anjo, não acha?", disse voz de mulher que aparentava trinta-e-cinco anos mas não podia ter menos que quarenta. Ao lado da mulher, também em pé com postura impecável, um homem que aparentava ser quinze ou vinte anos mais velho observava. Os dois pareciam felizes por terem atraído a atenção de Mie que, por rapidamente perder o interesse em análises literárias, já desviava os olhos do canto da sala pequena e sem janelas onde se encontravam e via, logo à sua frente, porta grande de ferro com fechadura que parecia absurdamente forte. Voltou-se então para a mesa e, por pura e obviamente infantil curiosidade, resolveu abrir o livro-com-a-cruz-dourada-na-capa. Estendeu a mão mas, antes que pudesse tocar o livro, a mulher havia lhe forçado a receber uma das canetas pretas, pego um dos papéis amarelados e colocado-o à sua frente, apontado para uma das linhas e dito "assine aqui, por favor". Assinou e, desta vez mais veloz, tentou agarrar o livro com a mão vazia. A mulher foi ainda mais rápida, entregou-lhe a outra caneta e disse que "não ficou boa. Tente denovo com a outra mão. Muitas pessoas passam pelo mesmo tipo de problema até aprenderem a escrever como devem". Sem escolha, repetiu a assinatura sem perceber sinal de diferença (não provocando mudança qualquer na outra que, precavida, não tirava os olhos do livro), largou as duas canetas-de-tinta-azul e tentou mais uma vez, tendo por obstáculo um tapa insano nas mãos que, ao invés de detê-lo, incentivou tanta indginação que, por impulso doentio, agarrou a capa preta e atirou tudo ao chão, desmanchando como areia seca. O movimento provocou animal fúria em seus observadores que, antes de qualquer reflexão, começaram a lançar insultos agressivos de entendimento impossível entre si. Começaram então um ritual animalesco que durou mais tempo do que se ousa contar, levando Mie a atravessar a mesa com sede-e-desespero e tentar derrubar a porta de ferro com um único golpe. Assim caiu a porta, mais falsa do que poderia prever e mais leve que imaginar.

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